Jurisdição e-commerce: um redirecionamento silencioso no Direito digital
A decisão proferida pelo Tribunal de Apelações do Nono Circuito em abril de 2025 reformula, de modo sutil e profundo, os contornos da jurisdição pessoal no espaço digital. Ao considerar que a suposta instalação de cookies pela Shopify no dispositivo de um consumidor localizado na Califórnia seria suficiente para configurar jurisdição específica naquele estado, o tribunal desarticula um pilar tradicional do direito processual – a exigência de que o agente tenha orientado intencionalmente sua conduta a um determinado foro.
A naturalização do “nacional como local” vem ao centro. Não estamos mais diante de empresas que operam com estratégias direcionadas a um mercado regional, mas, sim, de plataformas que orbitam onipresentes na lógica da ubiquidade algorítmica. A Shopify – entidade transnacional cujas operações ultrapassam fronteiras com a fluidez de um swipe – passa a ser responsabilizada em qualquer estado onde seus códigos dialogam com corpos reais. A presença passa a ser inferida da interpretação de dados, e essa presença digital ganha força jurídica.
O caso Briskin ilumina um novo ponto de tensão: até que ponto é legítimo imputar a uma empresa internacional a submissão à jurisdição de qualquer território apenas porque possui meios tecnológicos que a colocam em relação com sujeitos individuais ali localizados? O tribunal parece dizer: se você coleta, você responde.
Abandona-se aqui a ideia de ‘direcionamento diferencial’ como critério. Em outras palavras, não importa mais se a empresa priorizou a Califórnia. Basta que sua arquitetura digital lhe permita saber que ali há alguém. O rastreamento remoto do consumidor converte-se, assim, em vetor de juridicidade – o dado técnico converte-se em fato jurídico.
Essa leitura desloca a centralidade da intenção do agente para a estrutura do próprio sistema de informação. O debate jurídico deixa de orbitar a vontade e passa a repousar sobre a operação dos algoritmos que moldam a experiência comercial. Não é mais a conduta intencional que funda a competência, mas a exposição ontológica ao digital, a invasão silenciosa da presença tecnológica.
A decisão não é apenas uma virada processual; ela sinaliza uma ruptura epistêmica. O direito se vê forçado a negociar com uma nova espécie de domicílio: não mais aquele dos contratos tradicionais ou dos registros empresariais, mas o da presença codificada no tempo-espaço do consumo. E nessa nova topografia, a privacidade dos indivíduos ressurge como ponto de ancoragem, reivindicando protagonismo em meio ao labirinto das redes.