De olho na privacidade! Lessons from the FTC: The Cleo AI Settlement

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O caso Cleo AI e as armadilhas da autonomia contratual no ambiente digital

A recente resolução do litígio envolvendo a Cleo AI pela Federal Trade Commission (FTC) revela mais do que uma simples disputa sobre práticas enganosas: expõe uma fissura crescente na relação entre design de produtos digitais, privacidade individual e os limites do consentimento informado em plataformas tecnológicas. A fintech, que se apresentava como uma assistente financeira gratuita, foi condenada a pagar US$ 17 milhões — valor dividido entre compensações aos consumidores e penalidades civis — por práticas consideradas enganosas ao induzir usuários a assinaturas pagas com dificuldade de cancelamento.

A conduta da empresa violou a Seção 5 do FTC Act, que proíbe práticas comerciais desleais ou enganosas. No centro do litígio, estava o uso do chamado “dark pattern” — estruturas de design que distorcem decisões do usuário ao manipular interfaces para induzir respostas específicas, muitas vezes em desconformidade com sua vontade real. Não se tratava apenas de omissões contratuais ou termos redigidos em letra miúda, mas de uma interação cuidadosamente construída para obscurecer custos, prolongar cobranças e dificultar cancelamentos.

Esse modelo, ainda que funcionalmente eficaz para receitas recorrentes, tensiona as bases do consentimento jurídico. O “consentimento livre, inequívoco e informado” — pilar do regime de proteção de dados pessoais — torna-se uma ficção quando é forjado por fluxos de interação orientados à opacidade. A funcionalidade, antes celebrada como expressão da autonomia individual no consumo de serviços digitais, converte-se aqui em servidão algorítmica: decide-se, mas sob tutela oculta da interface.

A FTC, ao impor à Cleo AI exigências como coleta obrigatória de consentimento expresso e informado em suas cobranças e simplificação do cancelamento de assinaturas, busca reequilibrar esse jogo desigual. A medida ecoa a reformulação da regra de “opção negativa” promovida pelo órgão em 2024, indicando que a arquitetura dos consentimentos será um campo cada vez mais regulado — não por uma nostalgia da forma contratual tradicional, mas porque o direito, ao ser confrontado com os códigos da linguagem digital, deve reinventar suas formas de garantir dignidade, clareza e reversibilidade nas decisões individuais.

No fim, o que está em jogo não é apenas a política de assinaturas de uma empresa. É a legitimidade de proteger escolhas em um cenário em que a liberdade aparente se constrói, muitas vezes, sobre estruturas tecnológicas que fomentam heteronomia disfarçada de autonomia.

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