Michigan move contra Roku e acende alerta sobre privacidade infantil nas plataformas digitais
A procuradoria-geral de Michigan ajuizou uma ação judicial robusta contra a Roku Inc., acusando a plataforma de streaming de violar não apenas a Lei de Proteção à Privacidade Online das Crianças (COPPA), mas também a Video Privacy Protection Act (VPPA) e a legislação correlata do próprio estado de Michigan. As alegações desmontam a ideia, ainda corrente entre alguns setores da economia digital, de que a coleta de dados sensíveis pode operar em uma zona cinzenta jurídica quando se trata de usuários infantis.
Segundo a denúncia, a plataforma teria coletado e compartilhado, sem o devido consentimento parental, informações pessoais de crianças com menos de 13 anos. Dentre os dados mencionados estão nomes, identificadores de dispositivos, localização e até gravações de voz. Parte dessas informações teria sido repassada a anunciantes e corretores de dados, com o objetivo claro de direcionar publicidade para esse público vulnerável — prática frontalmente vedada pela COPPA.
O cerne da controvérsia não se limita à ausência de consentimento. Mais profundamente, questiona-se o papel ativo da Roku como operadora de um serviço digital ciente da presença de usuários infantis em sua plataforma. Diferentemente de alguns concorrentes que oferecem perfis gerenciáveis para crianças, a Roku, de acordo com a ação, negligenciou mecanismos de mitigação de riscos, apostando na invisibilidade jurídica do público infantil.
O caso adquire especial relevo não apenas por sua dimensão fática, mas porque sinaliza uma reconfiguração do protagonismo estatal na tutela da privacidade digital. Antes restrita majoritariamente à atuação da Federal Trade Commission, a fiscalização da COPPA começa a migrar para o domínio dos estados, evidenciando uma reação mais descentralizada e agressiva diante da inércia regulatória federal.
Trata-se de mais um episódio em que se tornam visíveis as fraturas do discurso do “consentimento informado”, sobretudo quando aplicado a sujeitos historicamente situados à margem da autonomia plena — como as crianças. A promessa liberal de autodeterminação informacional não basta quando os próprios instrumentos de controle estão ausentes ou inacessíveis. A racionalidade instrumental que norteia o design de plataformas baseadas em vigilância algorítmica confronta diretamente a dignidade enquanto princípio estruturante do direito à privacidade.
O processo movido por Michigan ainda terá desdobramentos judiciais, mas seu alcance simbólico já é evidente. Mais do que punição, o que está em jogo é a rediscussão do próprio estatuto da infância no ecossistema digital. Até onde pode ir o lucro num ambiente em que nem mesmo a inocência é deixada em paz?
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