**Privacidade e o Paradoxo da Autonomia: Até Onde Vai a Liberdade de Dispor dos Próprios Dados?**
Por Prof. Dr. Bernardo Menicucci Grossi
Vivemos tempos de paradoxos. Se, de um lado, a proteção de dados pessoais é proclamada como um direito fundamental, do outro, testemunhamos sua contínua relativização sob o pretexto da autonomia privada. Mas até que ponto podemos falar em liberdade de disposição quando se trata de informações que definem a própria identidade do indivíduo? A lógica contratual clássica, fundada na liberdade e na equivalência formal das partes, torna-se insuficiente quando aplicada a um cenário de hipervigilância digital e assimetrias informacionais estruturais.
Essa tensão emerge, por exemplo, nos debates sobre a validade de cláusulas que condicionam o acesso a serviços à cessão ampla de dados pessoais, muitas vezes sob a aparência de um “consentimento” negociado. A questão essencial aqui não é meramente formalista, mas substancial: há, de fato, um espaço legítimo para escolhas genuínas quando os titulares de dados são confrontados com o dilema entre aderir ou se excluir digitalmente? A proposta de que o consentimento possa, por si só, legitimar a exploração irrestrita da privacidade falha em reconhecer que a autodeterminação informativa não pode ser reduzida a uma moeda de troca contratual.
O direito civil-constitucional nos ensina que a autonomia privada, como princípio, não é ilimitada; ela se encontra balizada por valores superiores, como a proteção da dignidade humana e a vedação de abusos nas relações negociais. Como bem aponta Gustavo Tepedino, a constitucionalização do direito privado não destrói a lógica da autonomia, mas impõe-lhe uma leitura compatível com os direitos fundamentais. Sob essa ótica, a privacidade não é um bem renunciável de maneira absoluta, sobretudo em contextos de vulnerabilidade digital.
O desafio que se impõe, portanto, é o de estabelecer um equilíbrio entre liberdade contratual e garantias essenciais da personalidade, compreendendo que o espaço de não direito inerente à esfera privada não pode ser capturado pela lógica mercantil sem limites. Se os dados pessoais se tornaram o novo capital da economia digital, a proteção da privacidade não pode se transformar meramente em uma questão de preço. Afinal, qual o sentido da autodeterminação informativa quando se escolhe entre a exposição constante e a exclusão do mundo digital?
Que revisitemos, então, os fundamentos deste debate, sob pena de reduzirmos a autonomia a uma retórica vazia, útil apenas aos interesses daqueles que detêm o poder econômico de ditar as condições do jogo.