**Privacidade em Jogo: O Preço da Exposição Digital**
A modernidade prometeu transparência; entregou vigilância. O cidadão contemporâneo, ao transitar entre aplicativos, redes sociais e serviços digitais, já não age com a confiança de quem dispõe de uma esfera pessoal inviolável. Ao contrário, caminha sobre um tabuleiro no qual seus dados são as peças movimentadas por interesses econômicos que raramente se preocupam com autodeterminação informativa ou respeito à privacidade.
A proteção de dados pessoais não é um luxo regulatório, mas a reafirmação da dignidade humana diante da massificação da informação. O discurso da “gratuidade” — esse sofisma recorrente das plataformas digitais — oculta um custo sistêmico grave: a diluição da pessoa em meras unidades estatísticas manipuláveis. Quando se afirma que “os dados são o novo petróleo”, esquece-se que, ao contrário do petróleo, os dados pertencem a sujeitos, não a corporações.
A lógica contratual tradicional também encontra desafios nesse cenário. Quando o consentimento é arrancado de forma automatizada, envolto em desequilíbrios informacionais e estruturalmente inviabilizado pelo monopólio de certas plataformas, ainda podemos falar em autonomia privada genuína? A liberdade contratual só faz sentido se inserida num contexto no qual o indivíduo possa escolher de fato. Ora, qual é o grau de escolha real quando os termos são impostos em contratos de adesão cuja leitura é um exercício inócuo e a recusa representa, na prática, a exclusão da vida digital?
A autodeterminação informativa, enquanto faceta da proteção da personalidade, resgata e reafirma um fundamento essencial do direito civil-constitucional: o controle do sujeito sobre suas informações. O reconhecimento da privacidade como um espaço de não direito — no sentido de uma esfera de reserva impenetrável sem justa fundamentação — não é um obstáculo ao desenvolvimento tecnológico e econômico. Pelo contrário, trata-se de um mecanismo civilizatório necessário em tempos de excessiva exposição e vigilância.
Se não quisermos que a privacidade se torne uma relíquia de nossos códigos, é preciso resistir a sua transformação em mera mercadoria. Defender a proteção de dados não é apenas um ato jurídico; é, antes de tudo, um compromisso com a manutenção da autonomia e dignidade do ser humano no ambiente digital. O direito à privacidade não pode ser um convite à resignação diante da perda de controle sobre o próprio eu.
Até que ponto estamos dispostos a negociar a própria subjetividade em troca de conveniência?
Prof. Dr. Bernardo Grossi